29.5.16

Hoje fui voluntária do Banco Alimentar. Em boa verdade, não fiz mais que dar um saco à entrada do hipermercado e recolher os mesmos, nas caixas, já com as doações. 
Os diálogos foram curtos. Porém, entre o "Bom dia" e o "Gostaria de contribuir para o banco alimentar?" esbarrei-me com a solidão, a falta de esperança, a doença, a vergonha e a pobreza. Algumas destas vinham nos olhos, nas mãos ou ainda na voz a tremer. Notava-se o peso e a sombra da descrença. Notava-se o arrastar da vida e a dor dos dias. 

Adoeci. Tenho ainda os poros entupidos porque teimo em viver assim, a absorver tudo. 
Eu só queria poder falar-lhes num abraço e dizer que ia ficar tudo bem, mas não tinha como garantir isso. Não podia cair na crueldade de semear uma esperança vã e vaidosa num terreno já tão massacrado.

Depois de jantar, a minha mãe ligou-me. Não houve o típico relato semanal ou a pergunta sobre a receita eleita. A minha mãe ligou-me e eu chorei-lhe a tristeza: a minha e a de todas as pessoas com quem me cruzei. 
Há dias em que nos doem várias coisas. Hoje dói-me o Mundo. 

26.5.16

Conversation 16

« Senhora de fato Andamos a regar flores de plástico, é isso que fazemos. Temos coisas que não servem para nada. É tudo plástico. E nós regamos essas flores e esperamos que cheirem a coisas boas. Mas é plástico. Temos coisas, em vez de tentarmos ser felizes, substituímos a vida por plástico, a felicidade por plástico e o próprio plástico por plástico. Trabalhamos para regar uma vida destas. » 

Afonso Cruz in O cultivo de flores de plástico

"O cultivo de flores de plástico" é o título de mais uma obra de Afonso Cruz que, sem excepção, me deliciou. Uma peça de teatro em que, em nove actos, quatro personagens, todas elas sem-abrigo, espelham a sua invisibilidade perante uma sociedade egoísta, supérflua e consumista. Sem entrar em lugares-comuns, Afonso Cruz consegue, com a sua escrita e ironia tão características, retratar a falta de empatia e solidariedade de que padecemos, assim como a incerteza do amanhã. Um livro pequeno em páginas, mas imenso no que respeita a lições de vida e à capacidade de nos fazer questionar, interiormente, sobre o que valorizamos e o que somos em sociedade.

23.5.16

The road not taken

I shall be telling this with a sigh 
Somewhere ages and ages hence: 
Two roads diverged in a wood, and I-- 
I took the one less traveled by, 
And that has made all the difference.



Robert Frost

22.5.16

« espantei-me tanto e ficámos em silêncio um tempo, descobertos perante as coisas inexplicáveis, como se tivéssemos as cabeças abertas por cima e todos os seres do céu ou do inferno pudessem, afinal, ver claramente o que pensávamos. no meio das coisas inexplicáveis éramos assim uns recipientes de pensamentos sem tampa, e quem voasse ou viesse nas aragens haveria de ter visibilidade perfeita para dentro das nossas cabeças. »
Valter Hugo Mãe in O nosso reino